As famílias desejam caminhar no percurso sinodal como sujeito pastoral e eclesial, contribuindo para a missão da Igreja com as suas experiências de alegria e sofrimento. Por isso, o caminho sinodal deve ajudar a Igreja a enriquecer-se com a presença evangelizadora das famílias e a tirar proveito das suas experiências evangelizadoras e do estilo que elas podem oferecer.

“O caminho sinodal já não pede para refletirmos apenas sobre as necessidades e expectativas das famílias, mas sobre a contribuição que a família como tal pode dar ao caminho sinodal da Igreja, como sujeito pastoral” (Dicastério LFV)

“A ideia de que a sinodalidade é um caminho comum a toda a Igreja também se aplica à família e, quando se fala em família fala-se de um caminho que está a ser percorrido pelas famílias que fazem uma experiência lógica e prática na sinodalidade”.

Mas o que é a Sinodalidade? SINODALIDADE é o modo de ser e operar da Igreja em uma eclesiologia de comunhão.

A sinodalidade representa a via mestra para a Igreja, chamada a renovar-se sob a ação do Espírito e graças à escuta da Palavra. A capacidade de imaginar um futuro diferente para a Igreja e para as suas instituições, à altura da missão recebida, depende em grande medida da escolha de encetar processos de escuta, diálogo e discernimento comunitário, em que todos e cada um possam participar e contribuir. Ao mesmo tempo, a escolha de “caminhar juntos” constitui um sinal profético para uma família humana que tem necessidade de um projeto comum, apto a perseguir o bem de todos (DP, n. 9).

Sínodo indica o caminho feito conjuntamente pelo povo de Deus; remete a Jesus: “Caminho, verdade e vida” (Jo 14,6); os cristãos como “discípulos do caminho” (AT 9,2; 19,9.23; 22,4; 24,14,22); será traduzido preferencialmente por: “caminhar juntos”.

A sinodalidade indica o modus vivend et operandi da Igreja, o Povo de Deus, que manifesta e realiza concretamente o ser comunhão no caminhar juntos, no reunir-se em assembleia e no participar ativamente de todos os seus membros na missão evangelizadora da Igreja.

No primeiro milênio, “caminhar juntos”, ou seja, praticar a sinodalidade, era a maneira habitual de proceder da Igreja, entendida como “Povo reunido pela unidade do Pai, do Filho, e do Espírito Santo” (DP, n. 11).

São João Crisóstomo, no primeiro século, diz que: “Igreja e Sínodo são sinônimos” (Discurso).

“Com um significado específico, desde os primeiros séculos, são designadas com a palavra ‘sínodo’ as assembleias eclesiais convocadas em vários níveis (diocesano, provincial ou regional, patriarcal, universal) para discernir, à luz da Palavra de Deus e na escuta do Espírito Santo, as questões doutrinais, litúrgicas, canônicas e pastorais que aos poucos se apresentam” (CTI, n. 4).

O Concílio Vaticano II ancorou-se neste dinamismo da Tradição. Ele põe em evidência que “aprouve a Deus salvar e santificar os homens e mulheres, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que o conhecesse na verdade e o servisse santamente” (LG, n. 9).

O mesmo Concílio ressaltou que, em virtude da unção do Espírito Santo recebida no Batismo, a totalidade dos Fiéis “não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do Povo todo quando este, “desde os Bispos até ao último dos Fiéis leigos”, manifesta o consenso universal em matéria de fé e de moral” (LG, n. 12). É o Espírito que guia os crentes para “toda a verdade” (Jo 16, 13) (DP, n° 13).

O Concílio Plenário equivale em muito ao que são hoje as Assembleias da Conferência Episcopal. Sinodalidade: este substantivo foi criado recentemente, correlato do adjetivo sinodal, ambos derivados da palavra sínodo.

Fala-se de sinodalidade como uma dimensão constitutiva da Igreja ou mesmo de Igreja sinodal.

Não é apenas a invenção de uma palavra nova. Ela indica uma experiência vivida nas Igrejas locais (dioceses) e na Igreja universal iniciada pelo Concílio Vaticano II e explicita a consciência eclesial que está sendo gestada. A Igreja é todo o Povo de Deus “caminhando junto”.

Embora não aparecendo explicitamente no Vaticano II, a sinodalidade “está no coração da obra de renovação por ele prometida” (CTI, n. 6); recuperada do espírito dos primórdios da Igreja.

Enquanto o Concílio de Trento – 1545-1563 – e o Vaticano I – 1870 se preocuparam com a hierarquia da Igreja (para reagir à Reforma Protestante e aos ataques do mundo moderno que se iniciava); a eclesiologia do Vaticano II muda esta perspectiva: ao invés de trabalhar primeiramente os ministérios que nos distinguem, trabalha o que todos temos em comum: pelo batismo composto um único povo, o Povo de Deus.

“A eclesiologia do povo de Deus sublinha, de fato, a comum dignidade e missão de todos os batizados no exercício da multiforme e ordenada riqueza dos seus carismas, das suas vocações, dos seus ministérios. O conceito de comunhão exprime, nesse contexto, a substância profunda do mistério e da missão da Igreja, que tem na reunião eucarística a sua fonte e o seu cume” (CTI, n. 6). Une-nos com Deus e com os irmãos.

“A sinodalidade, nesse contexto eclesiológico, indica o específico modus vivendi et operandi da Igreja povo de Deus que manifesta e realiza concretamente o ser comunhão no caminhar juntos, no reunir-se em assembleia e no participar ativamente de todos os seus membros em sua missão evangelizadora” (CTI, n. 6).

“Enquanto o conceito de sinodalidade recorda o comprometimento e a participação de todo o povo de Deus na vida e na missão da Igreja, o conceito de colegialidade precisa o significado teológico e a forma de exercício do ministério dos Bispos a serviço da Igreja particular confiada ao cuidado pastoral de cada um e na comunhão entre as Igrejas particulares no seio da única e universal Igreja de Cristo, mediante a comunhão hierárquica do Colégio episcopal com o Bispo de Roma.

Sintetizando: Sinodalidade expressa o modo de ser e agir da Igreja (é o seu “espírito”; aspecto formal); considerado como o mais apto para o nosso tempo; desejado pelo Vaticano II como um aggiornamento. Certamente houve avanços, mas tem muito por se fazer.

O Papa Francisco (Discurso) afirma que a sinodalidade é o quadro interpretativo mais apto para compreender o ministério hierárquico e para realizar a compreensão eclesiológica da Lumen Gentium, onde todos os membros da Igreja são sujeitos ativos de evangelização. Não meros objetos da evangelização, ou seja, meramente destinatários. Lembremos de Aparecida: Discípulos-missionários.

As três propriedades frequentemente apontadas da sinodalidade: comunhão, participação e missão. Cada batizado é chamado a tomar seu lugar de acordo com seus dons, carismas e ministérios. “Disso, resulta que a colocação em prática da Igreja sinodal é pressuposto indispensável para um novo ardor missionário que comprometa todo o povo de Deus” (CTI, n. 9)

A sinodalidade se desenvolve dialogicamente (escuta e fala) na docilidade e abertura ao Espírito.

“Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar “é mais do que ouvir”. É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o “Espírito da verdade” (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele “diz às Igrejas” (Ap 2, 7). (Discurso)

Sínodo, por sua vez, em todas as suas esferas e níveis, indica um evento que concretiza em determinado momento e local a sinodalidade da Igreja. Na última década, temos falado particularmente de sínodo nos referindo ao Sínodo dos Bispos. LEMBREMOS DOS DOIS SÍNODOS PARA A FAMÍLIA 2014 E 2015, que subsidiaram a Amoris Laetitia.

• FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA:

Toda a Escritura nos apresenta a Aliança de Deus com um povo a caminho; reunido em Assembleia; solidário em sua fidelidade, mas também em suas rupturas.

Exemplo particularmente significativo de sinodalidade é o chamado “Concílio de Jerusalém” (At 15).

“Os Atos dos Apóstolos atestam alguns importantes momentos no caminho da Igreja apostólica em que o povo de Deus é chamado ao exercício comunitário do discernimento da vontade do Senhor ressuscitado. O protagonista que guia e orienta este caminho é o Espírito Santo, efundido sobre a Igreja no dia de Pentecostes (At 2,2-3). É responsabilidade dos discípulos, no exercício das suas respectivas funções, colocar-se na escuta da sua voz para discernir o caminho a seguir (At 5,19-21; 8,26.29.39; 12,6-17; 13,1-3; 16,6-7.9-10; 20,22). São exemplos disso a escolha dos “sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria”, aos quais os Apóstolos confiam o encargo de servir às mesas (At 6,1-6), e o discernimento da crucial questão da missão junto aos pagãos (At 10).

Tal questão foi tratada naquele que a tradição chamou “Concílio apostólico de Jerusalém” (At 15; Gl 2,1-10). Pode-se aí reconhecer a realização do evento sinodal, no qual a Igreja apostólica, em um momento decisivo do seu caminho, vive a sua vocação à luz da presença do Senhor ressuscitado em vista da missão. Este evento, ao longo dos séculos, será interpretado como a figura paradigmática dos Sínodos celebrados pela Igreja.

A narração descreve com precisão a dinâmica do evento. Diante da questão relevante e controversa que a interpela, a comunidade de Antioquia (FAMÍLIAS E DEMAIS MEMBROS DA COMUNIDADE) decide “dirigir-se aos Apóstolos e aos Anciãos” (15,2) da Igreja de Jerusalém, enviando-lhes Paulo e Barnabé. A comunidade de Jerusalém, FORMADA POR FAMÍLIAS, os Apóstolos, e os Anciãos prontamente se reúnem (15,4) para examinar a situação. Paulo e Barnabé relatam o ocorrido. Segue uma vivaz e aberta discussão (15,7a). Escutam-se particularmente o testemunho respeitável e a profissão de fé de Pedro (15,7b-12).

Tiago interpreta os acontecimentos à luz da palavra profética (Am 9,11-12: At 15, 14-18) que atesta a vontade salvífica universal de Deus, que escolheu “entre as nações, um povo” (15,14), e formula a decisão oferecendo algumas regras de comportamento (15,19-21). O seu discurso atesta uma visão da missão da Igreja firmemente enraizada no desígnio de Deus e ao mesmo tempo aberta ao seu fazer-se presente no desenvolver-se progressivo da história da salvação. Por fim, escolhem-se alguns enviados para que levem a carta que transmite a decisão tomada com as prescrições acerca da praxe que se deve seguir (15,23-29), carta que é entregue e lida para a comunidade de Antioquia, a qual se alegra com ela (15,30-31). “Todos são atores no processo, ainda que diversificados sejam o seu papel e a sua contribuição. A questão é apresentada a toda a Igreja de Jerusalém (15,12), que é presente em todo o seu desenvolvimento e é envolvida na decisão final (15,22). Contudo, são interpelados em primeiro lugar os Apóstolos (Pedro e Tiago, que tomam a palavra) e os Anciãos, que exercitam com autoridade o seu específico ministério”.

A decisão é tomada por Tiago, guia da Igreja de Jerusalém, em virtude da ação do Espírito Santo que guia o caminho da Igreja, assegurando a fidelidade dela ao Evangelho de Jesus: “Decidimos, o Espírito Santo e nós” (15,28). Essa é recebida e feita própria por toda assembleia de Jerusalém (15,22) e depois por aquela de Antioquia (15,30-31). Assembleias formadas por diversas pessoas comuns.

 “Todos, portanto, são corresponsáveis pela vida e pela missão da comunidade e todos são chamados a operar segundo a lei da mútua solidariedade no respeito dos específicos ministérios e carismas, enquanto cada um desses obtém a sua energia do único Senhor (1Cor 15,45).” (CTI 19-22)

• CONVERSÃO PARA UMA RENOVADA SINODALIDADE

“Caminhar juntos – leigos (famílias), pastores, Bispo de Roma – é um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não é assim fácil pô-lo em prática.” (Discurso)

No cumprimento da sua missão a Igreja é convidada a uma permanente conversão; que é também “conversão pastoral e missionária”, conversão nas famílias: consiste em uma renovação de mentalidade, atitudes, de práticas e de estruturas.

“A conversão pastoral para a realização da sinodalidade exige que alguns paradigmas frequentemente ainda presentes na cultura eclesiástica sejam superados, porque exprimem uma compreensão da Igreja não renovada pela eclesiologia de comunhão. Dentre estes: a concentração da responsabilidade da missão no ministério dos pastores; a insuficiente apreciação da vida consagrada e dos dons carismáticos; a escassa valorização da contribuição específica e qualificada, no seu âmbito de competência, dos fiéis leigos e entre estes das mulheres” (CTI, n. 105).

A falta de reconhecimentos que a Família é uma Igreja Doméstica e que ela mesma é chamada a ser protagonista da evangelização das famílias e colaboradora da evangelização e transformação da sociedade ainda é imperiosa, mesmo que já tenhamos avanços. Mas a conversão nos seus diversos âmbitos exige discernimento, esta palavrinha que muito vai nos ensinar um jeito novo, paciente, comprometido de ver e agir diante das coisas. O discernimento é pessoal, recai sobre a própria pessoa, porém, para ser bem-feito precisa olhar para o comunitário.

“O discernimento comunitário implica a escuta atenta e corajosa dos “gemidos do Espírito” (Rm 8,26) que abrem caminho por meio do grito, explícito ou mesmo mudo, que sobem do povo de Deus: “escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar aí a vontade para qual Deus nos chama”. Os discípulos de Cristo devem ser “contemplativos da Palavra e contemplativos do povo de Deus”. O discernimento deve se desenvolver em um espaço de oração, de meditação, de reflexão e do estudo necessário para escutar a voz do Espírito; mediante um diálogo sincero, sereno e objetivo com os irmãos e as irmãs; com atenção às experiências e aos problemas reais de cada comunidade e de cada situação; no intercâmbio de dons e na convergência de todas as energias em vista da edificação do Corpo de Cristo e do anúncio do Evangelho (CTI 114).

“As iniciativas de encontro, diálogo e colaboração em família, Igreja Doméstica ou comunidade, família de famílias, são consideradas como etapas preciosas nessa peregrinação comum e o caminho sinodal do povo de Deus se revela escola de vida para adquirir o costume necessário para praticar, sem medo o diálogo com todos. Hoje, pois, quando a tomada de consciência da interdependência entre os povos obriga a pensar no mundo como a casa comum, a Igreja é chamada a manifestar que a catolicidade que a qualifica e a sinodalidade em que ela se exprime são fermento de unidade na diversidade e de comunhão na liberdade. É esta a contribuição de fundamental relevância que a vida e a conversão sinodal do povo de Deus podem oferecer para a promoção de uma cultura do encontro e da solidariedade, do respeito e do diálogo, da inclusão e da integração, da gratidão e da gratuidade.

Assim, voltamos ao início, à família e sinodalidade

As famílias têm que perceber o que representam para a Igreja e a Igreja tem de valorizar o dom que representa a família para a sociedade. “A família é um bem decisivo para o futuro do mundo e da Igreja e estas palavras do Papa Francisco, exortam-nos a sermos Igrejas domésticas e inserem-se nesta caminhada sinodal num ambiente de comunhão, participação e missão”, e há que ter “consciência do que são as famílias dentro da Igreja e que a Igreja deve valorizá-las naquilo que são os seus dons, reconhecendo a família como protagonista da evangelização”.

Como? “Fazendo as coisas mais ordinárias da forma mais extraordinária”, numa verdadeira vivência litúrgica no cotidiano. Contudo, “não devemos nem podemos esperar soluções milagrosas; temos é de estar conscientes de que Cristo está conosco, que nós somos Igreja e como é que, cada um de nós, que é membro de uma família, pode fazer cada coisa do dia a dia pensando sempre no resto da família”.

Um exemplo simples: “Se na hora da refeição o celular ficar de fora já é um pequeno passo para dar espaço para que aquele seja o momento da família” concretiza lembrando que todos têm de ser contribuintes para esta “harmonia, participação e missão”.

“A família quase sem o saber, ou ter dele consciência, é convidada a fazer permanentemente um caminho sinodal na sua vida quotidiana: a vida partilhada, as decisões que são tomadas em conjunto… são efetivamente sinais de sinodalidade”, porque “a família traz o mundo à igreja. E a experiência da família é um testemunho para o mundo e para a Igreja”.

Na Pastoral Familiar, nas famílias devemos ser realistas. “Não devemos ser idealistas: a vida hoje é muito intensa e exigente. O tempo que cada família tem para estar junta, dialogar e comungar da sua vivência é já uma experiência que deve ser sublinhada”.

----

Siglas usadas:

CIC: Código de Direito Canônico

→ Comissão Teológica Internacional, (CTI)

Dicastério para os Leigos, Famílias e Vida.

O Documento para o Sínodo dos Bispos 2023, n.4, indica como referência para → Discurso na Comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, pronunciado pelo Papa Francisco no dia 17 de outubro de 2015; (citado no texto apenas como: Discurso)

Igreja, elaborado e publicado em 2018. (Citado no texto como: CTI)

- DP – Documento preparatório para uma Igreja sinodal 2021- 2023;